sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

…final de tarde.


- Trazes-me a ingratidão do tempo, dizia.

Caminhavam lado a lado. Apressadamente. Eram novos. Há já algum tempo que os vinha a observar. Conversavam. As mãos no ar, ora discutiam, ora se encontravam em diálogo. Desviavam-se, agilmente do poste cuidado, da bola perdida ai que me partem o vidro, do atleta de jogging submerso na contagem pausada do seu ritmo cardíaco tic-tac…tic-tac, pom-pom,…pom-pom, do polícia agarrem agarrem que é ladrão, do ardina leiam as últimas extra extra, da senhora do cão béu-béu aí não, aí não! do bebé recém-nascido ai que lindinho quantos meses dizia a senhora… E eu dava por mim a fazer os mesmos gestos para me tentar afastar daqueles súbitos atropelos, com os olhos colados naqueles dedos-bocas.

- Trazes-me a ingratidão do tempo, tu trazes-me a ingratidão do tempo! Tu…

Fiquei triste ao ouvi-lo. Olhei para trás. Ela parara. Ele continuava, gesticulando metodicamente. Foi , então, que se apercebeu de um sorriso estranho de uma velha senhora, carregada com sacos de compras de várias cores, com quem se cruzara. Afinal, aquele era um passeio solitário cheio de palavras. Olhou para trás. Não sei o rosto dela, lembro-me do fogo do cabelo. Recordo-me de a ver caminhar para ele. Recordo-me do abraço das mãos. Recordo-me dos beijos sôfregos trocados entre aquelas mãos.

-Deixaste-me a falar sozinho! Tu...

Ainda hoje recordo aquela gargalhada feita de pássaros soltos, esvoaçantes. Só então percebi. Sim. Trazes-me a ingratidão do tempo. E sorri, enquanto um raio de sol timidamente visitava as folhas amarelas e verdes daquela árvore neste tranquilo final de tarde.

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