segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Aquário-Vida


É sobre as pedras molhadas desta calçada que agora caminho. Escurece. Dirijo-me a este espaço onde já há muito entro, antes de me deixar envolver pela luz de velas e incenso e música de outros céus. Tlim, tlim… plam. Olá, olá. O mesmo de sempre? Sim. Sou acolhido por um sorriso de vidas-vividas. As rugas feitas pequenas montanhas de terras distantes tornam aquele rosto mais brilhante. E dirijo-me à mesa, a que tornei cúmplice de velhas cartas, de mãos apertadas no calor de paraísos desejados-perdidos. Dá para a rua. Subtilmente escurecida e tocada por letras, observo a rua, através da parede de vidro, como já há tanto o faço. Oiço a máquina que me trará o copo de leite fumegante, como se dali quisesse partir por linhas invisíveis em direcção a um outro qualquer espaço semelhante a este. Os sons dolentes do contrabaixo caminham por ali.

Está frio lá fora. Tiro o meu pequeno caderno de apontamentos. Gosto destas notas de final de tarde. A madeira do tampo da mesa saltita de contente.

E sem que me tivesse apercebido antes, reparo na rapariga à minha frente. Seria uma presença rotineiramente quotidiana não fosse a sua posição. De olhos fechados, tem a sua cabeça apoiada sobre as suas mãos. A névoa fumegante que sai da sua chávena de chá torna-a misteriosa, quase um anjo. À volta do seu pescoço, um pano. Escuro. E o tempo pára. Não consigo deixar de acompanhar aquela lágrima que subitamente lhe desliza pelo rosto em direcção à chávena de chá, que rapidamente a acolhe. Os olhos continuam fechados. Levanto-me. Desculpe… desculpe… Sim…? Está a sentir-se bem?... Como?... Se se está a sentir bem, não me parece que…? Só então levanta a cabeça. E sou abraçado por um sorriso banhado em sal. Então, mas…? Obrigada, estou bem. As lágrimas também podem ser de felicidade. Ainda bem, desculpe-me, então, desculpe-me… Não faz mal. Afasto-me para a minha mesa. E obrigada!! Vejo-a afundar-se, de novo, naquele pano. Vejo-a respirar, como se quisesse que aquele pano, a mim insignificante, a beijasse sofregamente.

Saio. Passa por mim um rapaz. Ai, ai, estou atrasado. Leva uma flor, que lamenta o seu vestido vermelho amarrotado de tantos encontrões minutos antes dentro de um autocarro. Caminha para aquela porta. Daí uns segundos o tlim, tlim… plam.

É sobre as pedras molhadas desta calçada que agora caminho. Espera-me o aquário onde gosto de viver.

Sem comentários: