terça-feira, 7 de julho de 2009
















(foto: sophiarui - "trepar o mundo")

Um mundo. Dois pólos. O norte. E o sul. O branco do gelo. Num, as pessoas andam de cabeça para baixo. Noutro, de cabeça para cima. Este últimos riem dos outros. Porque têm dificuldade em aguentar a roupa pois está sempre a tapar-lhes os olhos.

Foram os do pólo-cabeça-para-baixo que inventaram os cintos.

Ah, pois!
















(foto: sophiarui: "atingir a transparência")

- Estás pronto? Agora é a sério!

Não conseguia deixar de olhar para aquela janela. Depois de tantos anos de ausência, tinha voltado. A sala ainda se encontrava com alguns objectos. A velha ama que nos acompanhara durante aqueles anos não se esquecera de tapar todos os móveis, todos os bibelôs com aqueles enormes e velhos lençóis que serviram, noutros tempos para fingir montanhas cheias de neve onde escalavam os velhos bonecos à procura de tesouros ou sobreviventes em avalanches imaginárias.

Um…


Havia uma neblina no ar. Deveria tê-los tirado mais devagar. O velho cão olhava para mim de forma intrigante. Imaginava-lhe os pensamentos. Ora olhava para mim, ora me acompanhava na observação daquela janela. Como um pequeno pêndulo.

Dois…

A madeira gasta ainda era pisada por passos pesados e cansados. Nunca mais me esqueci do grito. E depois o silêncio ensurdecedor.

Três…

Atirou-me a bola. Com força. E apesar da velocidade, senti que ia ser hoje. O meu braço respondeu. Tinha as mãos bem fixas. Rodei os braços e o taco, agora encostado ali no canto (vês?), foi ao encontro da bola. Uma tacada forte, certeira. Os olhos dele brilhavam ao mesmo tempo que a bola voava, feliz. Quem não gostou foi o vidro que gritou assim que a bola o cumprimentou.

Sim, estava de volta. Aquela casa ia voltar, simplesmente, a ser.

sábado, 11 de abril de 2009

não esqueças nunca o que em sussurros te disse...

you are welcome to elsinore




entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

entre nós e as palavras, surdamente,
as mão e as paredes de Elsinore

e há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita

entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar



© 1957, Mário Cesariny
in, Pena Capital
Assírio & Alvim, Lisboa, 2004









(e o nosso dever calar...)

quarta-feira, 8 de abril de 2009

... na procura...

O sol. A lua.

Desencontro eterno.

Azul de olhos semi-cerrados.
Laranja da terra onde me envolvo.

Compassos.
Passos.
Sós.

s/t

Bombeiro. Já tinha sido bombeiro. Depois, astronauta. Tentaram o polícia mas conseguiu, na sua pequenez, recusar e, em vez disso, apareceu como pirata. Até lhe tinham arranjado um papagaio verdadeiro, da loja do tio, aquela ali para os lados da avenida principal, eu cá só quero que ele faça boa figura mas tragam-mo vivo, tragam-mo vivo. Foi um sucesso nesse ano. O pobre do papagaio lá se ia assustando perante tantos dedos atrevidos que procuravam sentir as cores da sua indumentária. É claro que as bicadas resolveram situações consideradas mais críticas e o papagaio até parecia que compreendia a sua importância e a diferença que fazia naquele pequeno ombro. No ano anterior, e depois de toda aquela aventura do papagaio colorido, que acabou por chegar são e salvo à loja do tio, fora o tão desejado contentor da reciclagem. Mas o azul, que era a cor do mar que ele gostava muito. Lá ia movendo os bracitos com alguma dificuldade e facilmente era confundido com um robot não, não, mas vocês não vêem que sou o contentor da reciclagem? Pois, nós, os adultos nunca percebemos nada.

Fui dar com ele no quarto, triste, com o queixo encostado ao colchão. Havia papéis com rabiscos, desenhos indecifráveis (para nós, adultos, claro!), tinha as costas das mãos com umas letras, possivelmente um sinal para se lembrar de alguma coisa, hábito, aliás que tinha adquirido com o tio, o tal da loja do papagaio ali para os lados da avenida principal, é só virarem à direita e… Olhei para ele. Os lápis de cera que se encontravam em cima da cama tinham feito os seus estragos na t-shirt branca. Todo aquele emaranhado de cores difusas formavam estranhas figuras. Baixei-me. E nesse momento…

Toda a gente sorriu nesse ano, naquele desfile. Tinha sido, pelo menos, o traje mais original. De t-shirt branca, calças brancas, cabeleira branca, ele lá ia, no meio de todos os outros, cheio de letras rabiscadas, umas grandes, outras mais pequenas, umas coloridas, outras quase transparentes, umas direitas, aquelas muito tortas e com um sorriso de encher o mundo, muito direito na sua consciência de pequenote.

Ainda hoje a guardo. Como um tesouro. Com saudades. A minha roupa. Roupa de letras.

sábado, 4 de abril de 2009

s/t

"caminho sem pés e sem sonhos
só com a respiração e a cadência
da muda passagem dos sopros
caminho como um remo que se afunda

os redemoinhos sorvem as nuvens e os peixes
para que a elevação e a profundidade se conjuguem
avanço sem jugo e ando longe

de caminhar sobre as águas do céu"







daniel faria
in, poesia
edições quasi

s/t


terça-feira, 31 de março de 2009



vou contar-te uma estória:

era tarde e ela não dormia
porque se tinha esquecido de como fechar os olhos
e não havia sítio onde reclinar
















(foto: "na sombra do mundo que escreve sombras")

-Eu…

(caminhas para mim)

- Tu…

(sombra tornada corpo)

- Nós…

(grita a terra, cai a chuva)

Olhar errante feito de procuras.


















(foto: "sobre fotografia de josé afonso furtado")

É velho o sótão onde me encontro. Há uma luz forte que entra agora por esta janela estreita. As pequenas aranhas parecem estranhar esta presença que ameaçadoramente lhes vai romper as pequenas avenidas acetinadas que ligam as extremidades deste espaço. Há um cheiro forte a humidade. Num dos cantos, uma mancha, testemunha do lamento de uma telha. O pó vai dançando à minha frente. Esqueço-me do que procuro. Começo a abrir caixas feitas de gerações perdidas no tempo. Surpreende-me este pequeno baú. Sorrio. (Há sempre um pequeno baú nestas histórias, não é?) Abro-o timidamente, como se aquele gesto o transformasse em nada. Começo por estranhar o cheiro daquela ausência-presente. Afasto uma teia e mergulho a mão. Sinto o toque frio do papel. Retiro-o. Uma fotografia. Uma única fotografia. Velha. Escura. Estragada. Há mesmo uma parte que perdeu o seu respirar. E noutra parte, neste canto, vêem… ? Tontura súbita… Vem cá, miúdo, vem cá! Sento-me. Dava-me sempre um rebuçado com sabor a limão. E contava-me estranhas histórias de estradas com carroças movidas a lentos passos e não havia carros, avô?, de tanques onde se lavava a roupa e as máquinas, avô?, de letras escritas com tinta e os computadores, avô?, de… Fecho os olhos. Um dia, deixou de me chamar. Faltavam-lhe as forças e eu já era muito grande, dizia. Aquela cadeira parecia acompanhá-lo também. E depois, tempos depois, a transparência que se toca com sabor a tempos de vozes que nos ficam e nos sussurram, quando nos deitamos, ainda com sabor a limão.
E amanhã, quando estiver de regresso, acompanhar-me-á esta cadeira. A do meu avô. Ficará entre cadeiras modernas, invejosas de tempos que não sabem.

Vem cá, miúdo, escuta…
(foto:"azulico-aluado")


Dedos feitos de neve despida.

Lágrima solta em mar profundo.

Dorme a criança. Berço de tranquilos respirares feito.

segunda-feira, 30 de março de 2009

noite e dia

"e então a noite caiu, para que não se falasse
do cair da noite. a noite caiu tão fria como
as últimas noites que caíram, neste princípio de
Inverno, e ninguém pôs um colchão por baixo
dela para que a noite não se magoasse, ao cair.
a noite limitou-se a cair, e com ela caiu o céu
sem lua, com todas as estrelas do universo a
caírem com ela. só os olhos não caíram, porque
para verem o céu e as estrelas que enchiam
tiveram de se levantar. e foi preciso falar
do cair da noite para que os olhos tomassem
a direcção do céu, e descobrissem tudo o que
havia no céu sem lua. "deixem cair a noite",
disse alguém. e logo alguém pediu que o
dia se levantasse, como se uma coisa estivesse
ligada a outra. então, o dia levantou-se
da noite que caiu; e a noite caiu sobre o dia
que se levantava, para que a sua queda fosse
amparada pelo colchão do dia, e as estrelas
tivessem onde pousar, à medida que caíam."




nuno júdice
in, "as coisas mais simples"
dom quixote

quinta-feira, 19 de março de 2009

s/t


É de lágrimas tristes o mar que brota dos olhos, deusa perdida entre naufrágios distantes. Cantam vitórias as vozes dos marinheiros que agora mergulham nas ondas dos teus cabelos soltos. Olham as deusas. Vozes de lamento. Passam por eles tesouros inimagináveis, relíquias de outros tempos. Esperam-nos o fundo. Branco. Feito de estrelas coloridas.


E há uma mão que se entrelaça, agora, tronco. Procura. Encontro. Suave o toque.


Retomo a viagem. Pesa a negra âncora que grita fins de beijos indizíveis. Deixo-me levar pelas velas que abrem os braços ao vento que lhes sorri. Há uma vontade enorme de lá chegar. De correr. Sim. Correr.


Estendo as mãos. O mergulho. Há um brilho que cega o comandante.
De novo.
(foto:"senhor... partem tão tristes...)

terça-feira, 10 de março de 2009

sexta-feira, 6 de março de 2009

plim... plim...






O preto. O branco. Teclas.




Soltam-se os sons.


Suave sintonia.


Sussurro sôfrego.




(Sim.)






Corpo-piano.
















(foto:sophiarui - "le charme n'est pas comme ça")

...olá.



Olho-te.
Olhas-me.

Deserto tornado água.

Senta-se o Tempo numa paragem de autocarro.
À espera.
(foto: "vem!")

quinta-feira, 5 de março de 2009

"com o companheiro
partilha-se
o que é a essência
da sorte
não a vida
mas a morte"












y.k.centeno
in, "perto da terra"
editorial presença

quarta-feira, 4 de março de 2009

laranzular

eu laranzulo-me
tu laranzulas-te
ele laranzula-se
nós laranzulamo-nos
vós laranzulai-vos
eles laranzulam-se...

terça-feira, 3 de março de 2009

(s) de...




... silêncios partilhados... silêncios ouvidos...

saturninos


na noite existem lugares vagos
e é neles que tomamos parte
como ocupantes da tristeza

dizem que nessa tarefa existe um pacto
lançado a alguns à nascença

ninguém sabe ao certo como são escolhidos os loucos
talvez entre as luas haja uma hipótese mínima de se ser seguro






por enquanto somos apenas o contrário da luz
e a sombra serve-nos em alguns momentos para a revelar

E conto-te...


... uma história de amores impossíveis.
Sonhas no meu ombro.

Assobia a chaleira na cozinha feita de laranjas.

(foto: sobre pintura de c.b.)

segunda-feira, 2 de março de 2009

o que se pode esperar da espera?

uma vez contei-te dos incêndios
de como nunca ninguém apagará nenhum deles
nas nuvens mais frágeis
e de como se transformam em sangue tingindo o branco...


há muito que sou feita de esperar e nunca soube responder
nem sequer às perguntas mais breves...

talvez um dia sentado me dês a resposta amor
a resposta à pergunta mais simples:



já que sou feita de esperar (responde amor, responde...)
o que se pode esperar da espera?

ele esquecia-se até de se esquecer...



havia dias em que ele se esquecia de acordar mesmo que o chamassem
chegava a recorrer aos serviços telefónicos para despertar
mas esquecia-se de indicar os números correctos
para a sua direcção
esquecia-se dos números tal como das palavras e das letras
dos códigos e dos dialectos


certo dia esqueceu-se que se esquecia
e nunca mais pôde sequer soletrar o seu próprio nome

folha seca



se a folha dá lugar ao fruto
porque é que a queda não nos ajuda a reconhecer o chão?
entre o medo da noite
e a esperança do dia
existe um lugar intacto
que é sempre um final de tarde...


arrecadar do sol em laranja e azul...

domingo, 1 de março de 2009

toc-toc

bate à porta, bate...

o som da madeira que se embrenha
por um abrir de porta que seja só meu...







(é bom ver-te chegar...)

islândia


no efémero há sempre um lugar orvalhado em penumbra

o silêncio peca na primeira estação outonal que encontra e
nela reside até que os anjos o venham salvar


faz frio no deserto que falas e nem por isso a beleza deixa de estar lá

espera...

no início do ciclo - o segredo
pano cru manchado com o sangue mais escuro


espero... como quem espera o poder da sombra inacabada
a desvendar a luz


silêncio silenciado


são sempre breves as palavras com que te (d)escrevo

desculpa amor, não sei dizer-te...

poema antigo

as palavras recuperam o poder das cinzas
tornam-se brasas


única chama a extinguir as sombras mais escuras

plexo solar


repara nesta curva alimentada de sismos
vê! consigo abri-la na acalmia de um sorriso teu

depois da noite- a água

há um agregar de imagens no contorno do gesto
a linha plena puxa a alavanca inerte do sonho
e alimenta balões prestes a explodir
na quantidade exacta do oxigénio aguardado à séculos

há também uma rede difusa escondida por detrás da tranquilidade

os muros desfazem-se na trégua de te saber nebuloso

calas-te...











entre a noite e a água todos os meus momentos são teus...

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Já não tenho corpo para isto…

Chove.

É de oxigénio dos beijos esta viagem que agora nos transporta ao distante arco-íris (vês?) Acompanham-nos lágrimas divinas de um qualquer deus que ri e celebra o nascimento do seu pequeno herói.

Olho estas duas pedras que me fitam, me sorriem e envolvem. Descubro mundos feitos de longos prados, de extensas searas amadas pelo vento onde flutua o teu cabelo. Das tuas mãos liberta-se uma neblina ancestral, anúncio de velhos rituais.

E olho a árvore. Soltam-se pequenas notas musicais dos seus ramos. Julgo-a… dançar. E algo em mim se transforma. E percebo as cores do que se encontra dentro de mim. E a transparência deste corpo-era.

Sim, vou voltar.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

...és...


… fome que me alenta…
… bola-pop de sabão que me envolve…
… sede de espaço que me eleva...
... corpo-pauta feito música.

És.

o que mais gosto em ti
é o intercalar harmonioso
do silêncio com a voz...

as estrelas...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009


"the heart is open like a flower
slowly opening the heart is open
like a flower slowly opening the heart"

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Aquário-Vida


É sobre as pedras molhadas desta calçada que agora caminho. Escurece. Dirijo-me a este espaço onde já há muito entro, antes de me deixar envolver pela luz de velas e incenso e música de outros céus. Tlim, tlim… plam. Olá, olá. O mesmo de sempre? Sim. Sou acolhido por um sorriso de vidas-vividas. As rugas feitas pequenas montanhas de terras distantes tornam aquele rosto mais brilhante. E dirijo-me à mesa, a que tornei cúmplice de velhas cartas, de mãos apertadas no calor de paraísos desejados-perdidos. Dá para a rua. Subtilmente escurecida e tocada por letras, observo a rua, através da parede de vidro, como já há tanto o faço. Oiço a máquina que me trará o copo de leite fumegante, como se dali quisesse partir por linhas invisíveis em direcção a um outro qualquer espaço semelhante a este. Os sons dolentes do contrabaixo caminham por ali.

Está frio lá fora. Tiro o meu pequeno caderno de apontamentos. Gosto destas notas de final de tarde. A madeira do tampo da mesa saltita de contente.

E sem que me tivesse apercebido antes, reparo na rapariga à minha frente. Seria uma presença rotineiramente quotidiana não fosse a sua posição. De olhos fechados, tem a sua cabeça apoiada sobre as suas mãos. A névoa fumegante que sai da sua chávena de chá torna-a misteriosa, quase um anjo. À volta do seu pescoço, um pano. Escuro. E o tempo pára. Não consigo deixar de acompanhar aquela lágrima que subitamente lhe desliza pelo rosto em direcção à chávena de chá, que rapidamente a acolhe. Os olhos continuam fechados. Levanto-me. Desculpe… desculpe… Sim…? Está a sentir-se bem?... Como?... Se se está a sentir bem, não me parece que…? Só então levanta a cabeça. E sou abraçado por um sorriso banhado em sal. Então, mas…? Obrigada, estou bem. As lágrimas também podem ser de felicidade. Ainda bem, desculpe-me, então, desculpe-me… Não faz mal. Afasto-me para a minha mesa. E obrigada!! Vejo-a afundar-se, de novo, naquele pano. Vejo-a respirar, como se quisesse que aquele pano, a mim insignificante, a beijasse sofregamente.

Saio. Passa por mim um rapaz. Ai, ai, estou atrasado. Leva uma flor, que lamenta o seu vestido vermelho amarrotado de tantos encontrões minutos antes dentro de um autocarro. Caminha para aquela porta. Daí uns segundos o tlim, tlim… plam.

É sobre as pedras molhadas desta calçada que agora caminho. Espera-me o aquário onde gosto de viver.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

mazurka

não amor... já não me interessam os passos
nem as horas
os dias ou as distâncias
já não me interessam os planos
ou as madrugadas
as noites ou as sombras
já não me interessam as estradas
ou as metas, os rumos ou os padrões

sei sim que há músicas que não se dançam a solo
e há relentos suficientes para nós os dois...









serei o teu cachecol das manhãs mais frias


pescoço enrolado em tecidos que pulsam...

a palavra amor

"estou tão apaixonado pelo amor
mas tão terrivelmente apaixonado
que ponho a palavra em todo o lado
decompondo-a repetidamente destilo-a
em todas as letras com que é escrita
e vejo-a em tudo para onde olho
sinto-a flores em ramo que mexo
e deixo-a onde sempre quero
que é invariavelmente naquilo em que preciso
para ser outra vez feliz
e chamo-lhe nomes baixinho
segredo-lhe suspiros ao ouvido
guardo-a sempre que a aperto
nas linhas profundas da mão

e eu que não sei bem seguramente
se em deus acredite ou não
acredito tanto nela que talvez
mesmo se deus viesse para pôr ali o dedo
julgo que ficaria como eu
parado deslumbrado num desmaio
tão surpreendentemente emocionado
que acabaria por perceber
mais nada valeria a pena fazer
pois assim já estava perfeito

até que como um menino menina
em deus criança acredito facilmente
rebolaria na areia até ficar croquete
esperaria na praia pela sétima onda
para corado salgado tiritando
lançar então ao mar sorriso
numa garrafa vidro verde meio baço
tampa cuidadosamente calafetada
uma mensagem em letra mal escrita
em espuma apenas uma palavra
amo tracinho te

gosto muito da palavra amor
mas gosto ainda mais em luar
de tudo para que ela serve"

pedro strecht in, "sete" assírio e alvim

...e vinhas sereno
corpo nu em inverno despido
a carne enrugada esperando uma gola...

pura lã...

e vinhas assim... mascarado do azul das madrugadas mais fundas
céu estrelado a cumprir primavera antecipada...

laranja a abrir... no sumo leve e doce de cada veio...

o cheiro do café...

o nossa roupa canta um piano em chamas









The Heart Asks Pleasure First - Michael Nyman

s/t


Um beijo teu é um texto...
um abraço feito de lã.


Navegar em ti.

s/t


gosto-te

o bocejo do sol


Cai a tarde. E entre estas quatro brancas paredes há um cheiro forte a café que me inunda. Observo os telhados que se vão cumprimentando. Caminham sobre a fresca serra, agora beijada pela neblina. O sol boceja depois de tanto se ter banhado neste mar imenso de azul e calor. Olho para trás. E há esta tranquilidade infinita no teu rosto. Invejo a gola alta do casaco que te aquece. Os teus olhos repousam sobre prados de lã. E demoro a olhar-te. E sem que o esperasse, o sol respira sobre ti uma última vez. Abres os olhos.

Olá.
Olá.

E mergulho neles à procura de tesouros escondidos, entre o cântico alegre de velhos piratas e dançantes estrelas-do-mar.

Olá.
Olá.