terça-feira, 31 de março de 2009


















(foto: "sobre fotografia de josé afonso furtado")

É velho o sótão onde me encontro. Há uma luz forte que entra agora por esta janela estreita. As pequenas aranhas parecem estranhar esta presença que ameaçadoramente lhes vai romper as pequenas avenidas acetinadas que ligam as extremidades deste espaço. Há um cheiro forte a humidade. Num dos cantos, uma mancha, testemunha do lamento de uma telha. O pó vai dançando à minha frente. Esqueço-me do que procuro. Começo a abrir caixas feitas de gerações perdidas no tempo. Surpreende-me este pequeno baú. Sorrio. (Há sempre um pequeno baú nestas histórias, não é?) Abro-o timidamente, como se aquele gesto o transformasse em nada. Começo por estranhar o cheiro daquela ausência-presente. Afasto uma teia e mergulho a mão. Sinto o toque frio do papel. Retiro-o. Uma fotografia. Uma única fotografia. Velha. Escura. Estragada. Há mesmo uma parte que perdeu o seu respirar. E noutra parte, neste canto, vêem… ? Tontura súbita… Vem cá, miúdo, vem cá! Sento-me. Dava-me sempre um rebuçado com sabor a limão. E contava-me estranhas histórias de estradas com carroças movidas a lentos passos e não havia carros, avô?, de tanques onde se lavava a roupa e as máquinas, avô?, de letras escritas com tinta e os computadores, avô?, de… Fecho os olhos. Um dia, deixou de me chamar. Faltavam-lhe as forças e eu já era muito grande, dizia. Aquela cadeira parecia acompanhá-lo também. E depois, tempos depois, a transparência que se toca com sabor a tempos de vozes que nos ficam e nos sussurram, quando nos deitamos, ainda com sabor a limão.
E amanhã, quando estiver de regresso, acompanhar-me-á esta cadeira. A do meu avô. Ficará entre cadeiras modernas, invejosas de tempos que não sabem.

Vem cá, miúdo, escuta…

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