domingo, 22 de fevereiro de 2009

Já não tenho corpo para isto…

Chove.

É de oxigénio dos beijos esta viagem que agora nos transporta ao distante arco-íris (vês?) Acompanham-nos lágrimas divinas de um qualquer deus que ri e celebra o nascimento do seu pequeno herói.

Olho estas duas pedras que me fitam, me sorriem e envolvem. Descubro mundos feitos de longos prados, de extensas searas amadas pelo vento onde flutua o teu cabelo. Das tuas mãos liberta-se uma neblina ancestral, anúncio de velhos rituais.

E olho a árvore. Soltam-se pequenas notas musicais dos seus ramos. Julgo-a… dançar. E algo em mim se transforma. E percebo as cores do que se encontra dentro de mim. E a transparência deste corpo-era.

Sim, vou voltar.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

...és...


… fome que me alenta…
… bola-pop de sabão que me envolve…
… sede de espaço que me eleva...
... corpo-pauta feito música.

És.

o que mais gosto em ti
é o intercalar harmonioso
do silêncio com a voz...

as estrelas...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009


"the heart is open like a flower
slowly opening the heart is open
like a flower slowly opening the heart"

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Aquário-Vida


É sobre as pedras molhadas desta calçada que agora caminho. Escurece. Dirijo-me a este espaço onde já há muito entro, antes de me deixar envolver pela luz de velas e incenso e música de outros céus. Tlim, tlim… plam. Olá, olá. O mesmo de sempre? Sim. Sou acolhido por um sorriso de vidas-vividas. As rugas feitas pequenas montanhas de terras distantes tornam aquele rosto mais brilhante. E dirijo-me à mesa, a que tornei cúmplice de velhas cartas, de mãos apertadas no calor de paraísos desejados-perdidos. Dá para a rua. Subtilmente escurecida e tocada por letras, observo a rua, através da parede de vidro, como já há tanto o faço. Oiço a máquina que me trará o copo de leite fumegante, como se dali quisesse partir por linhas invisíveis em direcção a um outro qualquer espaço semelhante a este. Os sons dolentes do contrabaixo caminham por ali.

Está frio lá fora. Tiro o meu pequeno caderno de apontamentos. Gosto destas notas de final de tarde. A madeira do tampo da mesa saltita de contente.

E sem que me tivesse apercebido antes, reparo na rapariga à minha frente. Seria uma presença rotineiramente quotidiana não fosse a sua posição. De olhos fechados, tem a sua cabeça apoiada sobre as suas mãos. A névoa fumegante que sai da sua chávena de chá torna-a misteriosa, quase um anjo. À volta do seu pescoço, um pano. Escuro. E o tempo pára. Não consigo deixar de acompanhar aquela lágrima que subitamente lhe desliza pelo rosto em direcção à chávena de chá, que rapidamente a acolhe. Os olhos continuam fechados. Levanto-me. Desculpe… desculpe… Sim…? Está a sentir-se bem?... Como?... Se se está a sentir bem, não me parece que…? Só então levanta a cabeça. E sou abraçado por um sorriso banhado em sal. Então, mas…? Obrigada, estou bem. As lágrimas também podem ser de felicidade. Ainda bem, desculpe-me, então, desculpe-me… Não faz mal. Afasto-me para a minha mesa. E obrigada!! Vejo-a afundar-se, de novo, naquele pano. Vejo-a respirar, como se quisesse que aquele pano, a mim insignificante, a beijasse sofregamente.

Saio. Passa por mim um rapaz. Ai, ai, estou atrasado. Leva uma flor, que lamenta o seu vestido vermelho amarrotado de tantos encontrões minutos antes dentro de um autocarro. Caminha para aquela porta. Daí uns segundos o tlim, tlim… plam.

É sobre as pedras molhadas desta calçada que agora caminho. Espera-me o aquário onde gosto de viver.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

mazurka

não amor... já não me interessam os passos
nem as horas
os dias ou as distâncias
já não me interessam os planos
ou as madrugadas
as noites ou as sombras
já não me interessam as estradas
ou as metas, os rumos ou os padrões

sei sim que há músicas que não se dançam a solo
e há relentos suficientes para nós os dois...









serei o teu cachecol das manhãs mais frias


pescoço enrolado em tecidos que pulsam...

a palavra amor

"estou tão apaixonado pelo amor
mas tão terrivelmente apaixonado
que ponho a palavra em todo o lado
decompondo-a repetidamente destilo-a
em todas as letras com que é escrita
e vejo-a em tudo para onde olho
sinto-a flores em ramo que mexo
e deixo-a onde sempre quero
que é invariavelmente naquilo em que preciso
para ser outra vez feliz
e chamo-lhe nomes baixinho
segredo-lhe suspiros ao ouvido
guardo-a sempre que a aperto
nas linhas profundas da mão

e eu que não sei bem seguramente
se em deus acredite ou não
acredito tanto nela que talvez
mesmo se deus viesse para pôr ali o dedo
julgo que ficaria como eu
parado deslumbrado num desmaio
tão surpreendentemente emocionado
que acabaria por perceber
mais nada valeria a pena fazer
pois assim já estava perfeito

até que como um menino menina
em deus criança acredito facilmente
rebolaria na areia até ficar croquete
esperaria na praia pela sétima onda
para corado salgado tiritando
lançar então ao mar sorriso
numa garrafa vidro verde meio baço
tampa cuidadosamente calafetada
uma mensagem em letra mal escrita
em espuma apenas uma palavra
amo tracinho te

gosto muito da palavra amor
mas gosto ainda mais em luar
de tudo para que ela serve"

pedro strecht in, "sete" assírio e alvim

...e vinhas sereno
corpo nu em inverno despido
a carne enrugada esperando uma gola...

pura lã...

e vinhas assim... mascarado do azul das madrugadas mais fundas
céu estrelado a cumprir primavera antecipada...

laranja a abrir... no sumo leve e doce de cada veio...

o cheiro do café...

o nossa roupa canta um piano em chamas









The Heart Asks Pleasure First - Michael Nyman

s/t


Um beijo teu é um texto...
um abraço feito de lã.


Navegar em ti.

s/t


gosto-te

o bocejo do sol


Cai a tarde. E entre estas quatro brancas paredes há um cheiro forte a café que me inunda. Observo os telhados que se vão cumprimentando. Caminham sobre a fresca serra, agora beijada pela neblina. O sol boceja depois de tanto se ter banhado neste mar imenso de azul e calor. Olho para trás. E há esta tranquilidade infinita no teu rosto. Invejo a gola alta do casaco que te aquece. Os teus olhos repousam sobre prados de lã. E demoro a olhar-te. E sem que o esperasse, o sol respira sobre ti uma última vez. Abres os olhos.

Olá.
Olá.

E mergulho neles à procura de tesouros escondidos, entre o cântico alegre de velhos piratas e dançantes estrelas-do-mar.

Olá.
Olá.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

…final de tarde.


- Trazes-me a ingratidão do tempo, dizia.

Caminhavam lado a lado. Apressadamente. Eram novos. Há já algum tempo que os vinha a observar. Conversavam. As mãos no ar, ora discutiam, ora se encontravam em diálogo. Desviavam-se, agilmente do poste cuidado, da bola perdida ai que me partem o vidro, do atleta de jogging submerso na contagem pausada do seu ritmo cardíaco tic-tac…tic-tac, pom-pom,…pom-pom, do polícia agarrem agarrem que é ladrão, do ardina leiam as últimas extra extra, da senhora do cão béu-béu aí não, aí não! do bebé recém-nascido ai que lindinho quantos meses dizia a senhora… E eu dava por mim a fazer os mesmos gestos para me tentar afastar daqueles súbitos atropelos, com os olhos colados naqueles dedos-bocas.

- Trazes-me a ingratidão do tempo, tu trazes-me a ingratidão do tempo! Tu…

Fiquei triste ao ouvi-lo. Olhei para trás. Ela parara. Ele continuava, gesticulando metodicamente. Foi , então, que se apercebeu de um sorriso estranho de uma velha senhora, carregada com sacos de compras de várias cores, com quem se cruzara. Afinal, aquele era um passeio solitário cheio de palavras. Olhou para trás. Não sei o rosto dela, lembro-me do fogo do cabelo. Recordo-me de a ver caminhar para ele. Recordo-me do abraço das mãos. Recordo-me dos beijos sôfregos trocados entre aquelas mãos.

-Deixaste-me a falar sozinho! Tu...

Ainda hoje recordo aquela gargalhada feita de pássaros soltos, esvoaçantes. Só então percebi. Sim. Trazes-me a ingratidão do tempo. E sorri, enquanto um raio de sol timidamente visitava as folhas amarelas e verdes daquela árvore neste tranquilo final de tarde.

O autocarro das estrelas


- Mãe…?
- Sim…?
- Porque é que as estrelas brilham?

Tínhamos acabado de sair da festa. Olhava pelo retrovisor. Apercebia-me da forma como aqueles olhos, feitos bolas-carvão e brilhantes se deixavam seduzir pelo outro brilho, o das estrelas. A estrada estava molhada. O limpa-pára-brisas ia cumprindo o seu destino, brincando com as gotas que se iam escondendo entre umas e outras. A luz azul e vermelha do tablier ia iluminando, de forma meiga, aquele espaço.

- Mãe…? Então?... As estrelas estão assim porquê?

Pensava naquela pergunta e na resposta que lhe deveria dar.
O rádio ia acompanhando aquele passeio tranquilo. A voz de Bethânia. “Onde estará meu amor?”

“…Se a voz da noite respondeu / onde estou eu, onde está você…”

- Porque estão felizes. Porque estão sempre a brincar às escondidas umas com as outras, a pregarem partidas umas às outras…
- Como eu com os meus amigos…
E surgia-lhe um sorriso traquina e brilhante.

- E mãe, porque é que às vezes aparecem uns riscos no céu?


“… Onde estou eu, onde está você / estamos cá dentro de nós, sós / Se a voz da noite silenciar / Raio de sol vai me levar…”


- Aquele risco é um autocarro que leva as estrelas para as suas casas sempre que acaba uma festa!
Olhei pelo retrovisor. Já não ouviu a minha resposta. Havia uma paz naquele rosto, próprio das crianças. Ainda sorri. Um autocarro a levar as estrelas de um lado para o outro. Se me ouvissem lá… Olhei novamente pelo retrovisor. Percebia o que ela cantava. Estamos cá dentro de nós. Como as estrelas que estão sempre a brincar umas com as outras e sempre que acaba a festa lá têm que ir apanhar o autocarro.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

S/T II


Houve dias em que a serra nos mostrava um abrir de portas…
e depois?…
depois… ficámos sem tecto…
…e aí percebemos que o céu era demasiado azul para nos poder salvar…

S/T I


É no intenso cheiro de madeira desta casa antiga que agora mergulho. Acompanham-me as memórias dos risos perdidos da criança que voava de braços abertos sobre o alto capim de longínquas terras. “Anda, anda, vem comigo!”, gritava, estendendo-me a mão, “Vamos apanhar o sol, anda!”. O vento sorria, então, procurando entrar naquela corrida. E transformávamo-nos em barcos-memórias naquela ondulação feita de ondas amarelas e verdes. Éramos invadidos pelo forte cheiro da terra ainda recentemente encharcada, fruto de um qualquer choro divino de comoção por aquela navegação ingénua, pura.

Plim… plim…

A gota que agora cai da velha e bolorenta torneira desperta-me. Observo as tábuas velhas que choram a ausência de pequenos passos. Uma formiga procura vencer aquela fenda, pequena, agora abismo. “Anda, anda, vamos apanhar o sol, anda!!”. O sorriso avermelhado com sabor a laranja do sol invade, aos poucos, este espaço. Crepita ao acariciar a lareira. Armstrong vai acompanhando esta doce intromissão de forma dolente, profunda. “What a wonderful world…!”. Apercebo-me, no momento, de um outro som, insistente. A campainha. Levanto-me. “Anda, anda, vamos apanhar o sol, anda!”. Caminho sobre este mar novo, feito de ancestrais respirares-testemunhas. Abro a porta. Falamos o silêncio. Olho o reflexo daquilo que sou, daquilo que quero ser. Está frio. “Anda, anda, vamos apanhar o sol, anda!”

- Entra.